Há muito tempo a internet se tornou um ambiente convidativo para a exposição de opiniío. Qualquer pessoa pode ter acesso rápido í informação – algumas delas desprovida de um embasamento confiável, de fontes fidedignas – e assim estar mais antenado com os papos nas mesas de bar ou bancos de praça. A evolução da informação veio no momento em que o usuário não apenas lia as matérias, mas também teria como produzir a sua informação. Daí vieram os blogs e sua infinidade de -œinformações informais-, que não estavam presos í s amarras do “ético” ou “checagem de fontes”.
Muita gente se valeu dos blogs para fazer diários, outros expandiram para geração de conteúdo em protosites (tanto que muitos dos sites famosos que vemos por aí derivam de uma origem blogueira). Porém, para cada 2 blogs realmente comprometidos com uma informação de qualidade que existem, surgem 20 para falar de trivialidades vazias, sem qualquer compromisso com coisa alguma.
Mas Deus disse: “Que a leitura não seja suficiente! Que a palavra seja também falada!”. Assim, a democracia da internet não abriu apenas um mundo aos olhos de seus usuários, mas também aos ouvidos. Se antes o cara que queria gerar conteúdo, mas não escrevia bem, tinha dificuldades em fazer parte do processo, chegou a hora de sua palavra suprir esta necessidade (e a do usuário também, porque não sei se você sabe, tem gente que tem preguiça de ler. E se você está lendo até agora, eu ainda lhe deposito uma grande esperança). Surgiram, então, os podcasts: arquivos em áudios de assuntos variados para atender o público com os ouvidos. Muitos dizem que é “rádio na internet” e não vejo porque termos vergonha desta definição, pois o rádio é um instrumento de comunicação tido com muito carinho pela nossa cultura. O podcast é o rádio do amanhã, então respeitemos as origens.
Mas continuando… Ah, o podcast veio para trazer de maneira rápida e objetiva as informações que você poderia levar um tempo pesquisando e, como bônus, tendo uma opiniío pessoal de seus formadores de opiniío (sim, se você se propõe a entrar num veículo de mídia saiba que você assume a responsabilidade de formar opiniío, não importa o quanto você avise para não levarem o que diz em consideração). Surgiram podcasts que atendiam a maior parte do público de internet: pessoal ligado a tecnologia, política, cultura pop, nerd entre outros…
E aí veio a escalada natural: assim como a internet abriu espaço para pessoas que não tinham conteúdo abrirem suas opiniões, o podcast também o fez. E para cada 2 podcasts realmente comprometidos com uma informação relevante, que enobreça o seu ouvinte, existem MAIS de 20 podcasts que são vômito de frivolidades, besteirol e descompromisso. Muitos até desrespeitam o seu público emocional e intelectualmente, fazendo-os perder HORAS de seu tempo para ouvir tudo de coisa alguma. E não sejamos ingênuos: MUITOS podcasts são assim, um papo de bar descompromissado ou calcado em hypes oportunistas de marketing. Isso quando o indivíduo não ~cria~ um produto que é um subproduto daquilo que ele gosta. Inspiração é uma coisa, cópia é outra.
-œAh, Seu Mota! Você é um chato extremista! Deixa o pessoal fazer do jeito que eles querem os podcasts deles! Se não der certo, acaba!-.
Vamos por partes:
- AINDA não tenho poder para deixar ou não deixar um podcast existir, mas aguardem a fundação do Motaquistío quando eu comprar Paquetá com o dinheiro da Mega Sena da Virada;
- Você se diz um amante da mídia podcast? Se você escuta, talvez seja porque você gosta. Acredite, eu também amei a mídia podcast durante muito tempo. A chamava de “a mídia mais companheira que a pessoa pode ter, mais que o youtube” (e ainda ergo esta bandeira, pena que com menos podcasts). Mas tal qual aquela menina/menino que você se apaixonou e foi um mar de rosas no início do namoro, logo se prostituiu í s más companhias e virou um depósito de desonra, que não merece estar ao seu lado, por mais que você ainda enxergue coisas positivas nele/nela.
O podcast NACIONAL (não estou me prestando a analisar algo fora de terras tupiniquins) se tornou o reduto do mais do mesmo, um “The Wall” que padroniza formatos e não encoraja intelectualmente o seu público, não o convida a procurar outros parmetros de podcast. É sempre o mesmo ciclo “Papo de Bar/Cinema/Séries/Quadrinhos/Videogame” que se perpetua. Não estou dizendo que esses eixos devam terminar, mas sim que as pessoas parem de aplicar sua concentração no GERAL e partam pro ESPECíFICO. E isso é uma evolução natural de quem quer amadurecer sua proposta.
Eu mesmo conduzi “O Chá dos Cinco” com meu brother Juliano Lopes e chegamos num momento em que dissemos: “Podemos amadurecer” e seguimos (só deixando claro: -œChá dos Cinco- não morreu). Hoje mantenho um projeto que envolve basicamente filmes, seriados, animações e até mesmo videogames. Mas eu me esforcei um pouco mais para fazer num formato diferente, porque justamente respeito minhas influências.
Quando eu trabalhava como roteirista na Rádio transamérica do Rio de Janeiro eu escutei um diálogo assim: “E se a gente fizesse um programa como o Pnico, só que de esportes?” e o diretor da rádio respondeu de maneira “Turn Down For What”: “Se você quer fazer o que já fazem, você só vai trilhar o caminho dos outros. Os caras já superaram caminhos que vocês nem sabem trilhar, saíram de buracos que vocês ainda vío cair, se curaram de feridas nas quais vocês ainda vío se machucar. É melhor você se esforçar mais em outro caminho do que seguir o caminho dos outros”. E isto é certíssimo! Não tenha vergonha de ter influências, mas orgulhe-se de fazer de maneira diferente. E não falo apenas do podcaster, mas do ouvinte: encoraje-se de escutar um podcast de assunto diferente por semana (nem precisa ser por dia, pois parto do pressuposto que você tem poucas horas livres na sua vida). Você pode se surpreender e digo mais: AMADURECER.
A democracia do podcast está estagnando não apenas a mídia, mas também os seus ouvintes. Programas sem originalidade se perpetuam porque você – ouvinte – não sai da sua zona de conforto, padece do mal de todos os tempos: o medo do desconhecido. Vou citar um filme: “X-Men: Primeira Classe”. Num dado momento de treinamento de poderes, Magneto diz para que Charles Xavier dê um tiro em sua cabeça. Xavier diz que não e Magneto diz que não precisa se preocupar, pois ele conseguirá desviar a bala. É neste momento que o Professor X diz: “Então não há desafio se você já sabe do que é capaz“.
Desafie-se, migre, aventure-se. O futuro da mídia podcast está nos ouvidos de um público que quer evoluir e levar a mídia consigo. Aí sim saberemos que os programas ruins ficarío para trás e os bons prosperarío. E digo mais, senhores podcasters estagnados na fórmula do ~sucesso~ (porque como diz Randal Bergamasco: “ser famoso na podosfera é ser campeío de bocha do seu bairro. Ou seja, porcaria nenhuma!”): podcast é um filho. Então pense bem antes de colocá-lo no mundo se você não vai se dedicar para fazê-lo um indivíduo único, de destaque. Do contrário, tal qual muitas crianças abandonadas, seu podcast se tornará um símbolo do descaso da criação.