Você se recorda da primeira vez que alguém lhe contou uma história?
Provavelmente não, mas com certeza deve ter diversas boas lembranças de pessoas lhe contando histórias. O ato de contar uma história é tío natural quanto a comunicação humana em si. Histórias são utilizadas para transmitir experiências, convencer, entreter, cativar, porém, no que se refere a podosfera brasileira, o ato de contar história parece estar sendo descoberto recentemente.
Esta afirmação parece a princípio injusta, posto que há dez anos que Christian Gurtner abrilhanta a podosfera com o seu Escriba Café e foi através dele que escutei pela primeira vez uma história pela mídia podcast. Porém, uma grande quantidade de novos podcasts storytelling surgiram no Brasil em 2015 e, portanto, o formato storytelling de podcast parece esta finalmente ganhando popularidade e espaço na podosfera brasileira.
O que seria o gênero de podcast storytelling?
É uma audionovela, audiodrama, é um programa jornalístico, literário? Para entender este fenômeno é importante termos em mente que qualquer esforço classificatório hermético tende perigosamente ao erro. Em teoria, todo podcast que conta uma história pode ser chamado de storytelling, inclusive os predominantes podcasts estilo bate-papo.
No entanto, temos que se fazer uma diferenciação: o podcast bate-papo segue uma pauta cujos assuntos se desenvolvem mais livremente enquanto o programa se desenvolve, já o storytelling segue um roteiro. E até mesmo esta afirmação é perigosa, posto que o famoso podcast americano True Story não se utiliza de um roteiro.
Neste podcast as histórias são contadas em reuniões entre amigos que, estimulados por uma espécie de jogo, contam casos reais de suas vidas. Cada episódio é uma história e não há um debate. O podcast storytelling não possui discussões internas, é sim uma narrativa focada em personagens que, mesmo que não sejam pessoas, tem suas histórias contadas por algum ponto de vista.
Qual é o cenário do podcast storytelling no Brasil?
O podcast storytelling no Brasil é um fenômeno recente e muito influenciado por programas americanos e, embora tenhamos exceções como o já mencionado Escriba Café, parece ter sido somente após o fenômeno do podcast “Serial” que a podosfera brasileira começou a observar o potencial do storytelling. Serial alcançou a média de 5 milhões de downloads e se tornou o podcast com mais downloads por episódio. A partir deste fenômeno começaram a surgir diversos podcasts storytelling tupiniquins.
Talvez o podcast storytelling recente mais conhecido no Brasil seja o Projeto Humanos, do Ivan Misanzuk. É um projeto que se iniciou em março de 2015 e como o seu próprio slogan diz: conta -œhistórias reais sobre pessoas reais-. Sua primeira temporada possui nove episódios, dos quais sete (um deles sendo um teaser) contam a história de Lili Jaffe, uma iugoslava que sobreviveu ao horrores da (sobre)vivência no campo de concentração de Auschwitz na Segunda Guerra Mundial.
O Projeto Humanos é um podcast de altíssima qualidade que proporciona uma visão sensível e humana de períodos particulares da vida de pessoas desconhecidas. Talvez tenha sofrido uma influência do podcast americano Strangers que possui inclusive um slogan parecido: “Strangers” features real people telling true stories from their lives (-œEstranhos- apresenta pessoas reais contando histórias reais sobre suas vidas). O Projeto Humanos é um podcast que possui uma característica jornalística forte, pois procura sempre entrevistar as pessoas das quais as histórias se tratam.
Neste sentido, o podcast Ninguém:人間 de Mau Hernandes que se iniciou em abril de 2015, também conta histórias reais de pessoas comuns. As histórias também são contadas por um misto de entrevistas e de comentários do narrador/entrevistador. No entanto, o podcast é focado em entrevistas de cidadíos japoneses e seus descendentes.
Os episódios são conduzidos de maneira muito terna e as histórias sempre trazem algum tipo de reflexío. Eu indico particularmente o episódio -œ#5 – Internet de Papel- que conta a história do porque pessoas no Japío -œdesperdiçam- o seu tempo trocando cartas com presidiários. Os episódios tem uma enorme dimensão reflexiva.
O podcast A Voz de Delirium, de André Monsev e Lucas Kircher, que lançou seu primeiro episódio em fevereiro de 2015, apresenta um formato diferente. A voz de Delirium é uma rádio fictícia de uma cidade também fictícia. O locutor da rádio narra acontecimentos esdrúxulos e previsões do tempo inimagináveis. O tom sombrio é constante e a medida que você escuta os episódios, parece acreditar cada vez mais que Delirium existe. Ao contrário do Projeto Humanos, a Voz de Delirium possui uma característica literária forte, pois é construído a partir de um texto original e fictício, produzido especificamente para o podcast.
Podemos perceber também uma forte influência do podcast americano Night Vale Radio que também conta a história de uma cidade fictícia e misteriosa através de uma rádio. O podcast a Voz de Delirium é um podcast muito bem produzido e possui uma proposta inovadora para a podosfera brasileira. Baixe-o e escute os três primeiros episódios, a história irá te envolver e a curiosidade o fará continuar a ouvir.
Diferentemente, o Crônicas do Fim do Mundo, de Caio Salgado, que se iniciou em maio de 2015, conta histórias curtas, os episódios possuem de 3 a 4 minutos. Sío altamente audiodramáticos e, enquanto o texto é lido, os recursos auditivos ajudam a dar o tom da história. Também possui uma forte característica literária, pois os textos são originais. Os episódios são independentes e, portanto, não importa por qual você começará a ouvir. É um trabalho simples, primoroso e cativante.
Mais recentemente lançado, porém, não menos primoroso, é o Podstoria, que estreou em setembro deste ano e possui autoria de Danton Freitas. É um podcast audiodramático e seriado que está em seu segundo episódio. Em sua própria descrição diz contar uma história tal qual um audiobook, o que não faz jus ao imenso trabalho de audiodramatização. Em um audiobook a história é lida com rara utilização de efeitos sonoros, já o Podstória está cheio deles.
A grande inovação deste podcast é o fato dele propor a participação do ouvinte. É possível fazer um cadastro no site e influenciar nos rumos da história.
Eu, como um apaixonado pelo gênero do podcast storytelling, também realizo as minhas experimentações. O Diário do Menestrel tem eu, Diogo Braga, como produtor e está sendo publicado desde agosto deste ano. O Diário do Menestrel é um Podcast que procura contar a história sob a perspectiva do personagem, por isto o nome diário. Sío crônicas narrativas ambientadas com efeitos sonoros.
Algumas histórias focam em certos momentos específicos, como a história de quando Mark Chapman assassinou John Lennon, outras buscam contar uma trajetória de vida como se o personagem estivesse escrevendo o seu diário, como o episódio da incrível história do navegador Espanhol ílvar Núí±es Cabeça de Vaca. Há também outras crônicas sem personagens conhecidos historicamente. Tento fazer com que ele seja literário, mas que também seja informativo e audiodramático.
Podcasts storytelling do cenário americano.
Por sua vez, vale a pena destacar aqui alguns podcasts do cenário americano que tanto influenciaram os contadores de história da podosfera brasileira. Primeiramente o True Story, já mencionado, que conta histórias de pessoas desconhecidas através da indução de uma dinmica de grupo, elas se reúnem e começam a conversar, o que acaba resultando em histórias interessantes. O The Truth que, como seu próprio slogan diz: possui a intensão de ser- um cinema para os ouvidos-. Sío histórias autorais e fictícias contadas com muita dramatização.
E além do Strangers e do NightValeRadio, também já citados anteriormente, destaco o podcast 99% Invisible, do Roman Mars, que conta histórias invisíveis que existem no design e na arquitetura do mundo. Se você desejar conhecer outros podcasts americanos, basta visitar a página do Radiotopia no Soundcloud (é uma espécie de agregador de podcasts que republica episódios de outros) e você terá um repertório quase infinito de podcasts storytelling de qualidade.
Uma Proposta:
E eu, como um ouvinte aficionado em podcast storytelling, proponho um gráfico classificatório que caracteriza, mesmo sem realizar um julgamento de valor. Inicialmente consigo observar que são quatro as características mais relevantes do podcast storytelling. Em minha visão o podcast deste gênero pode tender a ser: jornalístico, informativo, literário e audiodramático. Possuir uma destas características não o impede de possuir as outras também, porém a percepção delas no podcast pode ser mais ou menos acentuada. Abaixo apresentarei os gráficos que fiz no intuito de caracterizar os podcasts storytelling brasileiros citados acima e proponho uma discussão: como você os caracterizaria?
Incluiria alguma outra característica?