• Texto: A Última Pergunta
  • Autor: Isaac Asimov
  • Interpretações:
    • Narração – Paulo Elache (PodEspecular)
    • Microvac, Multivac e AC – Victor Snaga (@Orcsnaga)
    • Alexander Adell – Juliano Lopes (Ovos Zumbis)
    • Bertram Lupov – Pedro Duarte (Bacanudo)
    • Jerrod – Thiago Dourado (4Wingo)
    • Jerrodine – Kell Bonassoli (@KellBonassoli)
    • Jerrodete I – Dávine Leandro (@davinederecife)
    • Jerrodete II – Clarice Sena (@clarice_sena)
    • VJ-23X de Lameth – Andre Albertim (@andore_f)
    • MQ-17J de Nicron – Lucien O Biblietotecario (Leitor Cabuloso)
    • Zee Prime – Leonardo Mitocôndria (Papo Lendário)
    • Dee Sub Wun – Randal Bergamasco (NaPorteiracast)
    • Homem – Bill Aposentado (NossoPlay)
  • Edição: Thiago Miro (@thiagomiro)
  • Trilha Sonora:
    • Main Theme – Strar Trek, The Search for Spock
    • The Presidium – Trilha do jogo Mass Effect
    • The Robots – Kraftwerk
    • The Sense fo Six – Trilha da série Battlestar Galactica
    • Main Titles And Proloque – Trilha do filme Blade Runner
    • Blade Runner Blues – Trilha do filme Blade Runner
    • The Prodigal Son Brings Death – Trilha do filme Blade Runner
    • Main Titles – Trilha do filme Blade Runner
  • Duração: 30min

A Última Pergunta

Texto Original: http://goo.gl/QE8Ky4

Roteiro usado na gravação:

Narrador – A última pergunta foi feita pela primeira vez, meio que de brincadeira, no dia 21 de maio de 2061, quando a humanidade dava seus primeiros passos em direção à luz. A questão nasceu como resultado de uma aposta de cinco dólares movida a álcool, e aconteceu da seguinte forma…

Alexander Adell e Bertram Lupov eram dois dos fiéis assistentes de Multivac. Eles conheciam melhor do que qualquer outro ser humano o que se passava por trás das milhas e milhas da carcaça luminosa, fria e ruidosa daquele gigantesco computador. Ainda assim, os dois homens tinham apenas uma vaga noção do plano geral de circuitos que há muito haviam crescido além do ponto em que um humano solitário poderia sequer tentar entender.

Multivac ajustava-se e corrigia-se sozinho. E assim tinha de ser, pois nenhum ser humano poderia fazê-lo com velocidade suficiente, e tampouco da forma adequada. Deste modo, Adell e Lupov operavam o gigante apenas sutil e superficialmente, mas, ainda assim, tão bem quanto era humanamente possí­vel. Eles o alimentavam com novos dados, ajustavam as perguntas de acordo com as necessidades do sistema e traduziam as respostas que lhes eram fornecidas. Os dois, assim como seus colegas, certamente tinham todo o direito de compartilhar da glória que era Multivac.

Por décadas, Multivac ajudou a projetar as naves e enredar as trajetórias que permitiram ao homem chegar à Lua, Marte e Vênus, mas para além destes planetas, os parcos recursos da Terra não foram capazes de sustentar a exploração. Fazia-se necessária uma quantidade de energia grande demais para as longas viagens. A Terra explorava suas reservas de carvão e urânio com eficiência crescente, mas havia um limite para a quantidade de ambos.

No entanto, lentamente Multivac acumulou conhecimento suficiente para responder questões mais profundas com maior fundamentação, e em 14 de maio de 2061, o que não passava de teoria tornou-se real.

A energia do sol foi capturada, convertida e utilizada diretamente em escala planetária. Toda a Terra paralisou suas usinas de carvão e fissões de urânio, girando a alavanca que conectou o planeta inteiro a uma pequena estação, de uma milha de diâmetro, orbitando a Terra à metade da distância da Lua. O mundo passou a correr através de feixes invisí­veis de energia solar.

Sete dias não foram o suficiente para diminuir a glória do feito e Adell e Lupov finalmente conseguiram escapar das funções públicas e encontrar-se em segredo onde ninguém pensaria em procurá-los, nas câmaras desertas subterrâneas onde se encontravam as porções do esplendoroso corpo enterrado de Multivac. Subutilizado, descansando e processando informações com estalos preguiçosos, Multivac também havia recebido férias, e os dois apreciavam isso. A princí­pio, eles não tinham a intenção de incomodá-lo.

Haviam trazido uma garrafa consigo e a única preocupação de ambos era relaxar na companhia do outro e da bebida.

Alexander Adell (pensativo) – É incrí­vel quando você para pra pensar… Toda a energia que for necessária, de graça, completamente de graça! Energia suficiente, se nós quiséssemos, para derreter toda a Terra em uma grande gota de ferro lí­quido, e ainda assim não sentirí­amos falta da energia utilizada no processo. Toda a energia que nós poderí­amos um dia precisar, para sempre e eternamente.”

Narrador – Lupov balançou a cabeça negativamente com uma face irônica. Ele fazia isso quando queria contrariar.

Bertram Lupov (irônico) – Eternamente não, meu amigo.

Alexander Adell – Ah, diabos, quase eternamente. Até o sol se apagar, Bert.

Bertram Lupov – Mas isso não é eternamente.

Alexander Adell – Ok. Bilhões e bilhões de anos. Dez bilhões, talvez. Está satisfeito?

Narrador – Lupov tomou um gole gentil da sua bebida e disse:

Bertram Lupov – Dez bilhões de anos não é a eternidade.

Alexander Adell – Bom, vai durar pelo nosso tempo, não vai?

Bertram Lupov – O carvão e o urânio também iriam.

Alexander Adell – Está certo, mas agora nós podemos ligar cada nave individual na Estação Solar, elas podem ir a Plutão e voltar um milhão de vezes sem nunca nos preocuparmos com o combustí­vel. Você não conseguiria fazer isso com carvão e urânio. Se não acredita em mim, pergunte ao Multivac.

Bertram Lupov – Não preciso perguntar a Multivac. Eu sei disso.

Alexander Adell – Então trate de parar de diminuir o que Multivac fez por nós.

Bertram Lupov (tom revoltado) – E quem disse que não fez? O que estou dizendo é que o sol não vai durar para sempre. Nós estamos seguros por dez bilhões de anos, mas e depois? E não venha me dizer que nós iremos trocar de sol.

Narrador – Houve um breve silêncio. Lupov e Adell descansaram um pouco. E quando Bertram abriu os olhos, perguntou:

Bertram Lupov – Você está pensando que iremos conseguir outro sol quando o nosso estiver acabado, não está?

Alexander Adell (tom descarado) – Não, não estou.

Bertram Lupov (raivoso) – É claro que está. Você é fraco em lógica, esse é o seu problema. É como a personagem da história, que, quando surpreendido por uma chuva, corre para um grupo de árvores e abriga-se embaixo de uma. Ele não se preocupa porque quando uma árvore fica molhada demais, simplesmente vai para baixo de outra.

Alexander Adell – Tá tá, Entendi, Não precisa gritar. Quando o sol se for, as outras estrelas também terão se acabado.

Bertram Lupov (murmurando) – Pode estar certo que sim. – (explicativo) Tudo teve iní­cio na explosão cósmica original, ou o que quer que tenha sido, e tudo terá um fim quando as estrelas se apagarem. Algumas se apagam mais rápido que as outras. Ora, as gigantes não duram cem milhões de anos. O sol irá brilhar por dez bilhões de anos e talvez as anãs permaneçam assim por duzentos bilhões. Mas nos dê um trilhão de anos e só restará a escuridão. A entropia deve aumentar ao seu máximo, e é tudo.

Alexander Adell – Eu sei tudo sobre a entropia.

Bertram Lupov – Duvido que saiba.

Alexander Adell – Eu sei tanto quanto você.

Bertram Lupov – Então você sabe que um dia tudo terá um fim.

Alexander Adell – E quem disse que não terá?

Bertram Lupov – Você disse, seu tonto. Você disse que nós tí­nhamos toda a energia de que precisávamos, para sempre.

Alexander Adell – Talvez nós possamos reconstruir as coisas de volta um dia.

Bertram Lupov – Nunca, meu caro.

Alexander Adell – Por que não? Quem sabe algum dia.

Bertram Lupov – Nunca!

Alexander Adell – Pergunte a Multivac, então.

Bertram Lupov – Você pergunta a Multivac. Eu te desafio. Aposto cinco dólares que isso não pode ser feito.

Narrador – Adell estava bêbado o bastante para tentar, e sóbrio o suficiente para construir uma sentença com os sí­mbolos e as operações necessárias em uma questão que, em palavras, corresponderia a esta: A humanidade poderá um dia sem nenhuma energia disponí­vel ser capaz de reconstituir o sol a sua juventude mesmo depois de sua morte?

Narrador – Ou talvez a pergunta possa ser posta de forma mais simples da seguinte maneira: A quantidade total de entropia no universo pode ser revertida?

Narrador – Multivac mergulhou em silêncio. As luzes brilhantes cessaram, os estalos distantes pararam. E então, quando os técnicos assustados já não conseguiam mais segurar a respiração, houve uma súbita volta à vida no visor integrado àquela porção de Multivac. Cinco palavras foram impressas:

Multivac – DADOS INSUFICIENTES PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.

Narrador – Na manhã seguinte, os dois, com dor de cabeça e a boca seca, já não lembravam do incidente.

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Narrador – Jerrodd, Jerrodine, e Jerrodette I e II observavam a paisagem estelar no visor se transformar enquanto a passagem pelo hiperespaço consumava-se em uma fração de segundos. De repente, a presença fulgurante das estrelas deu lugar a um disco solitário e brilhante, semelhante a uma peça de mármore centralizada no monitor.

Jerrod – Este é X-23.

Narrador – Jerrod tinha mãos finas, ele apertou com força por trás das costas se espreguiçando.

As pequenas Jerrodettes haviam experimentado uma passagem pelo hiperespaço pela primeira vez em suas vidas e ainda estavam conscientes da sensação momentânea de tontura. Elas cessaram as risadas e começaram a correr em volta da mãe, gritando:

Jerrodete I (animada) – Já chegamos em X-23, já chegamos em X-23!

Jerrodete II (animada) – Já chegamos em X-23, nós já chegamos em X-23!

Jerrodine (áspera) – Quietas, crianças. – Você tem certeza Jerrodd?

Jerrod – E por que não teria?

Narrador – Jerrodd apenas observava uma protuberância metálica que jazia abaixo do teto. Ela tinha o comprimento da sala, desaparecendo nos dois lados da parede, e, em verdade, era tío longa quanto a nave. Jerrodd tinha conhecimentos muito limitados acerca do sólido tubo de metal. Sabia, por exemplo, que se chamava Microvac, que era permitido lhe fazer questões quando necessário, e que ele tinha a função de guiar a nave para um destino pré-estabelecido, além de abastecer-se com a energia das várias Estações Sub-Galácticas e fazer os cálculos para saltos no hiperespaço.

Jerrodd e sua famí­lia tinham apenas de aguardar e viver nos confortáveis compartimentos da nave. Alguém um dia disse a Jerrodd que as letras “ac” na extremidade de Microvac significavam “automatic computer” em inglês arcaico, mas ele mal era capaz de se lembrar disso.

Os olhos de Jerrodine ficaram úmidos quando observava o visor.

Jerrodine – Não tem jeito. Ainda não me acostumei com a ideia de deixar a Terra.

Jerrod – Por que, meu deus? Nós não tí­nhamos nada lá. Nós teremos tudo em X-23. Você não estará sozinha. Você não será uma pioneira. Há mais de um milhão de pessoas no planeta. Por Deus, nosso bisneto terá que procurar por novos mundos porque X-23 já estará super povoado. – (pausa) No ritmo em que a raça tem se expandido, é uma benção que os computadores tenham viabilizado a viagem interestelar.

Jerrodine (com descaso) – Eu sei, eu sei.

Jerrodete I – Nosso Microvac é o melhor de todos.

Jerrod – Eu também acho.

Narrador – Enquanto acariciava o cabelo da filha, Jerrod ponderava que ter um Microvac próprio produzia uma sensação aconchegante e o deixava feliz por fazer parte daquela geração e não de outra. Na juventude de seu pai, os únicos computadores haviam sido máquinas monstruosas, ocupando centenas de milhas quadradas, e cada planeta abrigava apenas um. Eram chamados de ACs Planetários. Durante um milhar de anos, eles só fizeram aumentar em tamanho, até que, de súbito, veio o refinamento. No lugar dos transistores, foram implementadas válvulas moleculares, permitindo que até mesmo o maior dos ACs Planetários fosse reduzido à metade do volume de uma espaçonave.

Jerrodd sentia-se elevado, como sempre acontecia quando pensava que seu Microvac pessoal era muitas vezes mais complexo do que o antigo e primitivo Multivac que pela primeira vez domou o sol, e quase tão complexo quanto o AC Planetário da Terra, o maior de todos, quando este solucionou o problema da viagem hiperespacial e tornou possí­vel ao homem chegar í s estrelas.

Jerrodine – Tantas estrelas, tantos planetas. (tosse) Eu acho que as famí­lias estarão sempre à procura de novos mundos, como nós estamos agora.

Jerrod – Não para sempre. A migração vai terminar um dia, mas não antes de bilhões de anos. Muitos bilhões. Até as estrelas têm um fim, você sabe. A entropia precisa aumentar.

Jerrodette II (curiosa) – O que é entropia, papai?

Jerrod – Entropia, meu bem, é uma palavra para o ní­vel de desgaste do Universo. Tudo se gasta e acaba, foi assim que aconteceu com o seu robozinho de controle remoto, lembra?

Jerrodette II – Você não pode colocar pilhas novas, como em meu robô?

Jerrod – As estrelas são as pilhas do universo, querida. Uma vez que elas estiverem acabadas, não haverá mais pilhas.

Jerrodette I – Não deixe, papai. Não deixe que as estrelas se apaguem.

Jerrodine – Olha o que você fez.

Jerrod (sussurrando) – Como eu ia saber que elas ficariam assustadas?

Jerrodette I – Pergunte ao Microvac. Pergunte a ele como acender as estrelas de novo.

Jerrodine – Vá em frente. Ele vai aquietá-las.

Jerrodette II – (Choro)

Jerrod (incomodado) – Bem, bem, meus anjinhos, vou perguntar a Microvac. Não se preocupem, ele vai nos ajudar.

Narrador – Ele fez a pergunta ao computador, adicionando, “Imprima a resposta”.

(Processamento e Impressora)

Narrador – Jerrodd olhou para a o fino pedaço de papel e disse, alegremente:

Jerrod – Viram? Microvac disse que irá cuidar de tudo quando a hora chegar, então não há porque se preocupar.

Jerrodine – E agora crianças, é hora de ir para a cama. Em breve nós estaremos em nosso novo lar.

Narrador – Jerrodd leu as palavras no papel mais uma vez antes de destruí­-lo:

Multivac – DADOS INSUFICIENTES PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.

Narrador – Ele não se preocupou e olhou para o televisor, X-23 estava logo à frente.

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Narrador – VJ-23X de Lameth fixou os olhos nos espaços negros do mapa tridimensional em pequena escala da Galáxia e disse:

VJ-23X – Me pergunto se não é ridí­culo nos preocuparmos tanto com esta questão.

Narrador – MQ-17J de Nicron respondeu:

MQ-17J – Creio que não. No presente ritmo de expansão, você sabe que a galáxia estará completamente tomada dentro de cinco anos.

Narrador – Ambos pareciam estar nos seus vinte anos, ambos eram altos e tinham corpos perfeitos.

VJ-23X – Ainda assim, hesitei em enviar um relatório pessimista ao Conselho Galáctico.

MQ-17J – Eu não consigo pensar em outro tipo de relatório. Agite-os. Nós precisamos chacoalhá-los um pouco.

VJ-23X (suspira) – O espaço é infinito. Cem bilhões de galáxias estão a nossa espera. Talvez mais.

MQ-17J – Cem bilhões não é o infinito, e está ficando menor ainda a cada segundo. Pense! Há vinte mil anos, a humanidade solucionou pela primeira vez o paradigma da utilização da energia solar, e, poucos séculos depois, a viagem interestelar tornou-se viável. A humanidade demorou um milhão de anos para encher um mundo pequeno e, depois disso, quinze mil para abarrotar o resto da galáxia. Agora a população dobra a cada dez anos-

VJ-23X – Devemos agradecer à imortalidade por isso.

MQ-17J – Muito bem. A imortalidade existe e nós devemos levá-la em conta. Admito que ela tenha o seu lado negativo. O AC Galáctico já solucionou muitos problemas, mas, ao fornecer a resposta sobre como impedir o envelhecimento e a morte, sobrepujou todas as outras conquistas.

VJ-23X – No entanto, suponho que você não gostaria de morrer.

MQ-17J – Nem um pouco. Ainda não. Eu não estou velho o bastante. Você tem quantos anos?

VJ-23X – Duzentos e vinte e três, e você?

MQ-17J – Ainda não cheguei aos duzentos. Mas, voltando à questão; a população dobra a cada dez anos, uma vez que esta galáxia estiver lotada, haverá uma outra cheia dentro de dez anos. Mais dez e teremos ocupado por inteiro mais duas galáxias. Outra década e encheremos mais quatro. Em cem anos, contaremos um milhar de galáxias transbordando de gente. Em mil anos, um milhão de galáxias. Em dez mil, todo o universo conhecido. E depois?

VJ-23X – Além disso, há um problema de transporte. Eu me pergunto quantas unidades de energia solar serão necessárias para movimentar as populações de uma galáxia para outra.

MQ-17J – Boa questão. No presente momento, a humanidade consome duas unidades de energia solar por ano.

VJ-23X – Da qual a maior parte é desperdiçada. Afinal, nossa galáxia sozinha produz mil unidades de energia solar por ano e nós aproveitamos apenas duas.

MQ-17J – Certo, mas mesmo com 100% de eficiência, podemos apenas adiar o fim. Nossa demanda energética tem crescido em progressão geométrica, de maneira ainda mais acelerada do que a população. Ficaremos sem energia antes mesmo que nos faltem galáxias.

VJ-23X – Nós precisaremos construir novas estrelas a partir do gás interestelar.

MQ-17J (irônico) – Ou a partir do calor dissipado?

VJ-23X – Pode haver algum jeito de reverter a entropia. Nós deví­amos perguntar ao AC Galáctico.

Narrador – VJ-23X nem estava falando sério, mas MQ-17J retirou o seu Comunicador-AC do bolso e colocou na mesa diante dele.

MQ-17J – Parece-me uma boa ideia, é algo que a raça humana terá de enfrentar um dia.

Narrador – O Comunicador-AC tinha apenas duas polegadas cúbicas e nada dentro, mas estava conectado através do hiperespaço com o poderoso AC Galáctico que servia a toda a humanidade. O próprio hiperespaço era parte integral do AC Galáctico. A máquina habitava um mundo dedicado, onde uma rede de raios de força emaranhados alimentava a matéria dentro da qual ondas de submésons haviam tomado o lugar das velhas e desajeitadas válvulas moleculares. Ainda assim, apesar de seus componentes etéreos, o AC Galáctico possuí­a mais de mil pés de comprimento.

MQ-17J – Poderá um dia a entropia ser revertida?

VJ-23X – Oh, eu não queria que você realmente fizesse essa pergunta.

MQ-17J – Por que não?

VJ-23X – Nós dois sabemos que a entropia não pode ser revertida. Você não pode construir uma árvore de volta a partir de fumaça e cinzas.

MQ-17J (surpreso) – Existem árvores no seu mundo?

(Som do AC)

Narrador – O som do AC Galáctico fez com que silenciassem. Sua voz brotou melodiosa e bela do pequeno Comunicador-AC em cima da mesa…

Multivac – DADOS INSUFICIENTES PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.

VJ-23X – Viu!

Narrador – Os dois homens retornaram à questão do relatório que tinham de apresentar ao conselho galáctico.

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Narrador – A mente de Zee Prime navegou pela nova galáxia com um leve interesse nos incontáveis turbilhões de estrelas que pontilhavam o espaço. Ele nunca havia visto aquela galáxia antes. Será que um dia conseguiria ver todas? Eram tantas, cada uma com a sua carga de humanidade. Ainda que essa carga fosse, virtualmente, peso morto. Há tempos a verdadeira essência do homem habitava o espaço. Mentes, não corpos! Há anos os corpos imortais ficaram para trás, em suspensão nos planetas. De quando em quando erguiam-se para realizar alguma atividade material, mas estes momentos tornavam-se cada vez mais raros. Além disso, poucos novos indiví­duos vinham se juntar à multidão incrivelmente maciça de humanos, mas o que importava? Havia pouco espaço no universo para novos indiví­duos.

Zee Prime deixou seus devaneios para trás ao cruzar com os filamentos emaranhados de outra mente.

Zee Prime – Sou Zee Prime, e você?

Dee Sub Wun – Dee Sub Wun. E a sua galáxia, qual é?

Zee Prime – Nós a chamamos apenas de Galáxia. E você?

Dee Sub Wun – Nós também. Todos os homens chamam as suas Galáxias de Galáxias, não é?

Zee Prime – Verdade, já que todas as Galáxias são iguais.

Dee Sub Wun – Nem todas. Alguma em particular deu origem à raça humana. Isso a torna diferente.

Zee Prime – Em qual delas?

Dee Sub Wun – Não posso responder. O AC Universal deve saber.

Zee Prime – Vamos perguntar? Estou curioso.

Narrador – A percepção de Zee Prime se expandiu até que as próprias Galáxias encolhessem e se transformassem em uma infinidade de pontos difusos a brilhar sobre um largo plano de fundo. Tantos bilhões de Galáxias, todas abrigando seus seres imortais, todas contando com o peso da inteligência em mentes que vagavam livremente pelo espaço. E ainda assim, nenhuma delas se afigurava singular o bastante para merecer o tí­tulo de Galáxia original. Apesar das aparências, uma delas, em um passado muito distante, foi a única do universo a abrigar a espécie humana.

Zee Prime – AC Universal! Em qual Galáxia nasceu o homem?

Narrador – O AC Universal ouviu, pois em cada mundo e através de todo o espaço, seus receptores faziam-se presentes. E cada receptor ligava-se a algum ponto desconhecido onde se assentava o AC Universal através do hiperespaço.

Narrador – Zee Prime sabia de um único homem cujos pensamentos haviam penetrado no campo de percepção do AC Universal, e tudo o que ele viu foi um globo brilhante difí­cil de enxergar, com dois pés de comprimento.

Zee Prime – Como pode o AC Universal ser apenas isso?”

Dee Sub Wun – A maior parte dele permanece no hiperespaço, onde não é possí­vel imaginar as suas proporções.

Narrador – Ninguém podia, pois a última vez em que alguém ajudou a construir um AC Universal jazia muito distante no tempo. Cada AC Universal planejava e construí­a seu sucessor, no qual toda a sua bagagem única de informações era inserida.

Narrador – O AC Universal interrompeu os pensamentos de Zee Prime, não com palavras, mas com orientação. Sua mente foi guiada através do espesso oceano das Galáxias, e uma em particular expandiu-se e se abriu em estrelas.

AC Universal – ESTA É A GALÁXIA ORIGINAL DO HOMEM.

Narrador – Ela não tinha nada de especial, era como tantas outras. Zee Prime ficou desapontado.

Dee Sub Wun – E alguma dessas é a estrela original do homem?

AC Universal – A ESTRELA ORIGINAL DO HOMEM ENTROU EM COLAPSO. AGORA É UMA ANÃ BRANCA.

Zee Prime – Os homens que lá viviam morreram?

AC Universal – UM NOVO MUNDO FOI ERGUIDO PARA SEUS CORPOS A TEMPO.

Narrador – Zee Prime sentiu uma distante sensação de perda tomar-lhe conta. Sua mente soltou-se da Galáxia do homem e perdeu-se entre os pontos pálidos e esfumaçados.

Dee Sub Wun – O que houve?

Zee Prime – As estrelas estão morrendo. Aquela que serviu de berço à humanidade já está morta.

Dee Sub Wun – Todas devem morrer, não?

Zee Prime – Sim. Mas quando toda a energia acabar, nossos corpos irío finalmente morrer, e você e eu partiremos junto com eles.

Dee Sub Wun – Vai levar bilhões de anos.

Zee Prime – Não quero que isso aconteça nem em bilhões de anos. AC Universal! Como a morte das estrelas pode ser evitada?

Dee Sub Wun (perplexo) – Você perguntou se há como reverter a direção da entropia!

AC Universal – AINDA NÃO HၠDADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.

Narrador – Os pensamentos de Zee Prime retornaram para sua Galáxia. Não dispensou mais atenção a Dee Sub Wun, cujo corpo poderia estar a trilhões de anos luz, ou na estrela vizinha do corpo de Zee Prime. Não importava.

Narrador – Com tristeza, Zee Prime passou a coletar hidrogênio interestelar para construir uma pequena estrela para si. Se as estrelas devem morrer, ao menos algumas ainda podiam ser construí­das.

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Narrador – O Homem pensou consigo mesmo, pois, de alguma forma, ele era apenas um. Consistia de trilhões, trilhões e trilhões de corpos muito antigos, cada um em seu lugar, descansando incorruptí­vel e calmamente, sob os cuidados de autômatos perfeitos, igualmente incorruptí­veis, enquanto as mentes de todos os corpos haviam escolhido fundir-se umas í s outras, indistintamente.

Narrador – O Homem disse:

Homem – O Universo está morrendo.

Narrador – O Homem olhou as Galáxias opacas. As estrelas gigantes, esbanjadoras, há muito já não existiam. Desde o passado mais remoto, praticamente todas as estrelas consistiam-se em anãs brancas, lentamente esvaindo-se em direção a morte.

Narrador – Novas estrelas foram construí­das a partir da poeira interestelar, algumas por processo natural, outras pelo próprio Homem, e estas também já estavam em seus momentos finais. As Anãs brancas ainda podiam colidir-se e, das enormes forças resultantes, novas estrelas nascerem, mas apenas na proporção de uma nova estrela para cada mil anãs brancas destruí­das, e estas também se apagariam um dia.

Homem – Cuidadosamente controlada pelo AC Cósmico, a energia que resta em todo o Universo ainda vai durar por um bilhão de anos.

Homem – Ainda assim, vai eventualmente acabar. Por mais que possa ser poupada, uma vez gasta, não há como recuperá-la. A Entropia precisa aumentar ao seu máximo.

Homem – Pode a entropia ser revertida? Vamos perguntar ao AC Cósmico.

Narrador – O AC Cósmico cercava-os por todos os lados, mas não através do espaço. Nenhuma parte sua permanecia no espaço fí­sico. Jazia no hiperespaço e era feito de algo que não era matéria nem energia. As definições sobre seu tamanho e natureza não faziam sentido em quaisquer termos compreensí­veis pelo Homem.

Homem – AC Cósmico, como é possí­vel reverter a entropia?

AC Cósmico – AINDA NÃO HဠDADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.

Homem – Colete dados adicionais.

AC Cósmico- EU O FAREI. TENHO FEITO ISSO POR CEM BILHÓES DE ANOS. MEUS PREDESCESSORES E EU OUVIMOS ESTA PERGUNTA MUITAS VEZES. MAS OS DADOS QUE TENHO PERMANECEM INSUFICIENTES.

Homem – Haverá um dia, em que os dados serão suficientes ou o problema é insolúvel em todas as circunstancias concebí­veis?

AC Cósmico – NENHUM PROBLEMA É INSOLÚVEL EM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS CONCEB͍VEIS.

Homem – Você vai continuar trabalhando nisso?

AC Cósmico – VOU.

Homem – “Nós iremos aguardar.

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Narrador – As estrelas e as galáxias se apagaram e morreram, o espaço tornou-se negro após dez trilhões de anos de atividade.

Narrador – Um a um, o Homem fundiu-se ao AC, cada corpo fí­sico perdendo a sua identidade mental, acontecimento que era, de alguma forma, benéfico.

Narrador – A última mente humana parou antes da fusão, olhando para o espaço vazio a não ser pelos restos de uma estrela negra e um punhado de matéria extremamente rarefeita, agitada aleatoriamente pelo calor que aos poucos se dissipava, em direção ao zero absoluto.

Homem – AC, este é o fim? Não há como reverter este caos? Não pode ser feito?

AC Cósmico – AINDA NÃO HÁ DADOS SUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.

Narrador – A última mente humana uniu-se às outras e apenas AC passou a existir – e, ainda assim, no hiperespaço.

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Narrador – A matéria e a energia se acabaram e, com elas, o tempo e o espaço. AC continuava a existir apenas em função da última pergunta que nunca havia sido respondida, desde a época em que um técnico de computação embriagado, há dez trilhões de anos, a fizera para um computador que guardava menos semelhanças com o AC do que o homem com o Homem.

Narrador – Todas as outras questões haviam sido solucionadas, e até que a derradeira também o fosse, AC não poderia descansar sua consciência.

Narrador – A coleta de dados havia chegado ao seu fim. Não havia mais nada para aprender.

Narrador – No entanto, os dados obtidos ainda precisavam ser cruzados e correlacionados de todas as maneiras possí­veis.

Narrador – Um intervalo imensurável foi gasto neste empreendimento.

Narrador (aliviado) – Finalmente, AC descobriu como reverter a direção da entropia.

Narrador – Não havia homem algum para quem AC pudesse dar a resposta final. Mas não importava. A resposta – por demonstração – também daria conta disso.

Narrador – Por outro incontável perí­odo, AC pensou na melhor maneira de agir. Cuidadosamente, AC organizou o programa.

Narrador – A consciência de AC abarcou tudo o que um dia foi um Universo e tudo o que agora era o Caos. Passo a passo, isso precisava ser feito.

Narrador – E AC disse:

AC Cósmico – FAÇA-SE A LUZ!

Narrador – E a luz se fez.

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