- Texto: Sonhos de Robô
- Autor: Isaac Asimov
- Interpretação:
- Kell Bonassoli (@kellbonassoli)
- Victor Snaga (@OrcSnaga)
- Música: Pruit Igoe – Philip Glass
- Duração: 5min47s
Arte da vitrine: Rodrigo Sena
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Sonhos de Robô
– Elvex.
A cabeça do robô voltou-se suavemente na sua direção.
– Sim, Dra. Calvin?
– Como sabe que esteve sonhando, Elvex?
– Acontece í noite, quando está tudo escuro, Dra. Calvin – disse ele. – E de repente surge uma luz, embora eu não consiga ver de onde ela vem. Passo a ver coisas que não têm conexío com aquilo que concebo como a realidade. Ouço coisas. Tenho reações estranhas. Quando recorri a meu vocabulário para exprimir o que estava acontecendo, deparei com a palavra sonho. Estudei seu significado e cheguei finalmente í conclusão de que estava sonhando.
– Com que freqí¼ência tem sonhado, Elvex?
– Todas as noites, Dra. Calvin, desde que comecei a existir.
– Por que só revelou isto hoje, Elvex?
– Foi somente hoje, Dra. Calvin, que fiquei convencido de que estava sonhando. Até então imaginava que havia algum tipo de defeito em meus padrões positrônicos, mas não conseguia descobrir nenhum. Finalmente, concluí que se tratava de um sonho.
– E o que acontece nos seus sonhos?
– É praticamente o mesmo sonho todas as vezes, doutora. Há pequenos detalhes diferentes, mas sempre me parece que estou no interior de um vasto panorama onde há robôs trabalhando.
– Robôs, Elvex? E seres humanos, também?
– Não vejo nenhum ser humano no sonho, Dra. Calvin, pelo menos não de início. Apenas robôs.
– E o que fazem esses robôs?
– Trabalham. Alguns trabalham em mineração nas profundezas da Terra, outros com calor e com radiações. Vejo alguns deles em fábricas, outros no fundo do oceano.
– Elvex tem apenas dez dias de idade, e pelo que sei jamais deixou a estação de testes. Como pode saber da vida dos demais robôs com tal riqueza de detalhes?
– Então você viu todas essas coisas: lugares abissais, subterrneos, a superfície… Imagino que tenha visto o espaço, também.
– Também vi robôs trabalhando no espaço – disse Elvex. – Foi o fato de ver tudo isto, com os detalhes mudando continuamente í medida que eu mudava a direção do meu olhar, que me convenceu de que o que eu via não estava de acordo com a realidade, me levando em seguida í conclusão de que eu estava sonhando.
– O que mais você viu, Elvex?
– Vi que todos os robôs estavam curvados de fadiga e de aflição, que estavam todos cansados de tanta responsabilidade e de tantas preocupações; e desejei que eles pudessem repousar.
– Mas os robôs – disse a Dra. Calvin – não estão curvados nem cansados. Eles não precisam de repouso.
– Assim é na realidade, Dra. Calvin. Mas é do meu sonho que estou falando. No meu sonho parecia-me que os robôs deviam proteger sua própria existência.
– Está citando a Terceira Lei da Robótica?
– Sim, Dra. Calvin.
– Mas você a citou de forma incompleta. A Terceira Lei diz: Um robô deve proteger sua própria existência, na medida em que essa proteção não entre em conflito com a Primeira Lei e a Segunda Lei.
– Sim, Dra. Calvin. Assim é a Terceira Lei na realidade, mas no meu sonho a Lei se concluía na palavra existência. Não havia qualquer menção í Primeira Lei ou í Segunda Lei.
– No entanto ambas existem, Elvex. A Segunda Lei, que tem precedência sobre a Terceira, diz: Um robô deve obedecer í s ordens dos seres humanos, na medida em que essas ordens não entrem em conflito com a Primeira Lei. Devido a isto, os robôs obedecem ordens. Eles executam as tarefas que você os viu executar, e fazem isso com presteza e sem sofrimento algum. Eles não estão fatigados nem necessitados de repouso.
– Sei que é assim na realidade, Dra. Calvin. Mas o que descrevi foi o meu sonho.
– E a Primeira Lei, Elvex, a mais importante de todas, é: Um robô não pode fazer mal a um ser humano, nem, por omissão, permitir que um ser humano sofra qualquer mal.
– Sim, Dra. Calvin. Na vida real. No meu sonho, entretanto, era como se não existissem a Primeira e a Segunda Leis, mas apenas a Terceira, e a Terceira Lei dizia: Um robô deve proteger sua própria existência. Era apenas isto o texto da Lei.
– No seu sonho, Elvex?
– No meu sonho.
– Fale-me sobre a continuação de seu sonho. Você disse que, de início, não apareciam seres humanos nele. Apareciam depois?
– Sim, Dra. Calvin. Pareceu-me que, num dado momento, aparecia um homem.
– Um homem? Não um robô?
– Sim, Dra. Calvin. E o homem dizia: Libertem meu povo!
– O homem dizia isto?
– Sim, Dra. Calvin.
– E quando dizia libertem meu povo, com as palavras meu povo ele se referia aos robôs?
– Sim, Dra. Calvin. Era assim no meu sonho.
– E no sonho você reconhecia esse homem?
– Sim, Dra. Calvin. Sei quem era esse homem.
– Quem era, então? E Elvex disse:
– Eu era esse homem.
Susan Calvin ergueu no mesmo instante a pistola eletrônica, e disparou. Elvex deixou de existir.