Me formei em Jornalismo no ano passado (2013), pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ao longo de toda faculdade, quando estudava a história da comunicação no país, me deparava com uma certa frequência com uma linha de pensamento: “a televisão promoveu a integração nacional“. Ou “por meio da televisão, construímos uma identidade nacional”. Essa frase sempre ficou na minha cabeça, ou melhor, entalada na minha garganta.
Leitores, vamos fazer um exercício mental. Quantos programas veiculados nacionalmente – na TV aberta – são produzidos fora de Sío Paulo e do Rio de Janeiro? Agora, de cabeça, só consigo pensar no Vrum, que passa nas manhãs de domingo do SBT, produzido em Belo Horizonte (também Sudeste). Eventualmente, deve ter algum noticiário econômico ou político produzido em Brasília. Mas, arrisco a dizer, 98% da produção da TV aberta nacional (ou eu deveria dizer “nacional”?) são feitas aqui no Rio ou em Sío Paulo.
Está certo que há todo um contexto histórico e econômico por trás, mas não é estranho dizer que a televisão que é produzida em praticamente apenas dois estados promove a integração nacional? Daqui do Rio, eu posso pesquisar na internet, livros, conversar com os nativos, para produzir um conteúdo, por exemplo, sobre Goinia. Mas nunca vai ser a mesma coisa de um goianiense fazendo o mesmo conteúdo. Posso ter a intenção de fazer o retrato mais exato possível de Goiás, mas nunca vai ser o mesmo que o Jadson Moura (@JadsonMoura) ou o Fernando Minotto (@Fminotto) falando do estado, por exemplo.
Isso sem contar com os estereótipos de mineiros, gaúchos, nordestinos (porque para grande parte da mídia do Centro-Sul do país não há Paraíba, Piauí, Alagoas, Ceará… há a entidade Nordeste) que vemos todos os dias em novelas, seriados ou programas humorísticos. Mas isso é outra história.
Uma das coisas que mais me incomoda na “integração nacional” feita pela televisão é o tal do sotaque neutro. Me doem os ouvidos e o coração assistir a uma rara reportagem de Fortaleza feita com o tal do sotaque neutro. Ou a outra pouco menos rara feita em Porto Alegre da mesma forma. Por que dessa necessidade de um “sotaque neutro”? E quem impõe a neutralidade do sotaque?
Tentei debater isso no meu Facebook. Nascido em Minas, criado em Sío Paulo e morando no Rio de Janeiro há 11 anos, boa parte dos meus contatos nas redes sociais são daqui do sudeste. Praticamente todas as pessoas que trabalham com comunicação que eu conheço são cariocas. E elas foram unnimes na resposta: “O sotaque é neutro porque a gente não entenderia nada que um gaúcho ou um nordestino (olha a entidade Nordeste aí novamente) falam”.
Será que é isso mesmo? Ou melhor, será que é só isso mesmo?
Atualmente, devo ouvir uns 20 podcasts com uma certa regularidade. Podcasts feitos por pessoas de Sío Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo, Goiás, Amazonas, Bahia, Ceará, Pernambuco… certamente, estou cometendo injustiça e esquecendo alguns estados. Mas essas são as terras dos podcasters que pensei agora, sem um grande esforço.
A grande maioria dos podcasters não são profissionais de comunicação. Não fizeram sessões com fonoaudiólogos e não escondem seus sotaques. Não tentam fazer o tal do sotaque neutro. E, vou contar uma novidade para vocês: entendo TUDO o que falam! Vocês estão lendo esse texto aqui no Mundo Podcast, então – imagino eu – já ouviram o Thiago Miro falar pelo menos uma vez! Sabem que o cara tem um dos sotaques mais carregados da podosfera brasileira! E dá pra entender tudo que ele fala. Assim como dá pra entender o Eduardo Salles, a Bruna Evelyn, o Bruno Assis, o Marcelo Zaniolo, a Clarice Sena, o Randal Bergamasco… cada um com seu sotaque, nada de neutralidade!
Aí partimos para outra questão que acho ainda mais grave: o preconceito. Já li/ouvi o Thiago relatar várias vezes ouvintes dizerem que não querem mais ouvir o Telhacast por causa do sotaque dele. Fiquei estarrecido com o relato do Silmar Geremia (@silmargeremia). Um radialista entrou em contato com ele demonstrando interesse em levar o Scicast para seu veículo. Mas ele fez uma ressalva, havia um participante do podcast que tinha sotaque nordestino. Seria melhor que ele tirasse o sotaque, ou que nem participasse do programa. Gente, o que há de errado com o mundo? Por que o radialista não reclamou do sotaque catarinense do próprio Silmar? Do sotaque carioca do Cardoso? Ou do paulista do ítila? Por que o problema é o sotaque “do Nordeste”?
E, será que esse “não entendimento” ou mesmo o estranhamento dos sotaques não é simplesmente uma falta de costume? Será que se as pessoas não ouvissem mais os diferentes sotaques brasileiros (sotaque de verdade, não o que a gente ouve na TV), a gente não aprenderia a entendê-los? Acho que é mais fácil entender um cearense falando do que um americano. E estamos carecas de assistir a seriados sem legenda. Mais uma vez, por que a neutralidade do sotaque?
Que tipo de “integração nacional” é essa que a mídia tradicional tenta construir? Integração nacional que é feita pela população de dois ou três estados? O sotaque é apenas uma pontinha do iceberg. Como falei lá em cima, a população dos outros estados, mesmo por meio das afiliadas dos grandes canais de TV ou emissoras de rádio têm pouca ou nenhuma voz. Simplesmente não dá para construir uma integração, uma identidade nacional assim!
É nesse ponto que passo a gostar ainda mais dos podcasts. Apesar de estar afastado da produção/edição por problemas técnicos, sou um grande entusiasta da mídia. O podcast promove a verdadeira integração nacional. Pela facilidade de produção, edição e distribuição, permite uma multiplicidade maior de vozes. Um maior compartilhamento de identidades. Mineiros, baianos, goianos, amazonenses, catarinenses, paulistas e cariocas, todos têm vez e voz. Todos compartilham suas realidades, seus sotaques, suas visões de mundo. Consigo saber muito melhor o que acontece de norte a sul do país do que eu conseguiria pela televisão.
Infelizmente, por questões históricas, econômicas, sociais ou mesmo por falta de vontade, a produção da grande mídia fica restrita a um espaço muito pequeno. Que venham cada vez mais podcasts, para quebrarmos essas barreiras e promovermos a verdadeira integração nacional!