Jovem podcaster, aprenda com a mí­dia tradicional

Se você não sabe, aprenda algo: somos filhos de uma mí­dia tradicional e secular. Talvez bastardos, talvez rebeldes, talvez até órfíos, mas ainda assim somos filhos. A maior parte do que é o podcast nos Estados Unidos, na índia ou no Brasil, é uma herança direta do que o rádio construiu por longas décadas, antes que chegássemos até aqui.

É assim também com os blogs, herdando o processo criativo dos fanzines; é assim com o YouTube, vivendo basicamente de uma linguagem que reinventa o que já foi construí­do na TV.

Everything is a remix – já disse Kirby Ferguson em sua brilhante série de ví­deos.

Boa parte da identidade dos podcasts brasileiros deve-se ao que o Pnico fez nos anos 90 na Jovem Pan; os videocasts e vlogs mais famosos da web devem ao que a MTV (saudades!) construiu desde os anos 80; os blogs mais ricos em opiniío e com uma formatação visual bem resolvida existem porque nos anos 70 alguém pensou em usar um mimeógrafo para propósitos mais criativos, como um fanzine.

Mas se os novos formatos midiáticos da web são reconfigurações de formato e linguagem do que já foi construí­do, estamos realmente aproveitando tudo que poderí­amos da nossa “herança”?

Podcaster gravando podcastÉ certo que não e os mais radicais dirío que nós não precisamos olhar para as mí­dias tradicionais para pensar nossa linguagem, nossa abordagem.

Precisa, sim, cara pálida.

A turma do YouTube, por exemplo, já vem aprendendo. A conta é simples, salvas as devidas proporções: o maior podcast do Brasil alcança em audiência, durante 7 dias, aquilo que o canal mais popular do Brasil faz em menos de 24 horas.

O maior podcast do Brasil existe há muito mais tempo que o mais famoso canal de humor do Brasil no YouTube. Somos uma criança, quase pré-adolescente, que ainda pode aprender bastante dos seus tios. Eis minhas sugestões:

1. Aprenda com o rádio e vá direto ao ponto

Um valor essencial do conteúdo radiofônico é ser objetivo, garantindo que você traga a maior informação, no melhor tempo. Isso quer dizer que você pode fazer um programa de 3 horas de duração, se quiser, desde que procure não se perder nos seus pensamentos. Quanto mais subjetiva for a sua fala, mais difí­cil será captar essa abstração na nossa vida alt+tab.

Podcaster faz o que quer, certo? Certo. Podcaster que quer audiência faz o que quer? Errado.

A vasta imensidío de episódios que dizem muito pouco ou quase nada em 2 horas apenas atesta uma realidade ácida, quando unida í s nossas baixas audiências: tem muita gente curtindo o papo-de-bar-life-style, mas terí­amos uma audiência bem maior se houvesse investimento em pautas informativas, objetivas e claras. “íšteis” talvez seja uma palavra arriscada e polêmica, mas que precisa ser lembrada. Os podcasts de aprender inglês, fora da torre de babel que a turma (quase) toda faz parte, estão aí­ para provar essa realidade.

2. Aprenda com o jornal impresso a valorizar narrativas

Logo do podcast SerialO emblemático sucesso do podcast Serial tem o storytelling como vetor essencial. Contar histórias de modo criativo faz parte do melhor do jornalismo impresso, especialmente o literário, ainda que seja relativamente difí­cil de encontrar.

A narrativa jornalí­stica ainda é quase que totalmente ausente do formato podcast: são poucos os podcasts produzidos por jornalistas, com reportagens especiais (como é o Serial, uma grande reportagem), trazendo personagens e suas falas, informação relevante para além do opinativo mais básico. E não precisa ser sobre um assassinato.

Mesmo não sendo jornalista, é certo que muitos dos podcasters brasileiros têm potencial para contar as histórias que querem, com mais criatividade. Além da destreza narrativa conhecida e expressa no Café Brasil, Escriba Café ou nos episódios de RPG do Nerdcast, lembro com felicidade do episódio 315 doRapaduracast, chamado “Tarantino Tapes“.

Raduracast - Tarantino Tapes

Raduracast – Tarantino Tapes

Nesse excelente episódio, foi utilizado um pequeno recurso narrativo para transformar o usual e que fazia toda diferença para quem ouvia: eles simularam um roubo de um carro, cujo dono teria perdido fitas com conversas sobre os filmes de Tarantino. As conversas eram os papos dos participantes dos podcasts, sobre os filmes. As fitas vío sendo ouvidas pelo ladrío fora de ordem cronológica, tal qual um filme de Tarantino. Um recurso de roteiro e edição que faz toda diferença na hora de contar a trajetória do cineasta.

Como corriqueiramente se aponta no podcast Os Comentadores, falta-nos mais pitadas criativas, fazendo o que o processo de criação mais nos permite fazer: combinar boas ideias e gerar ideias novas – as nossas ideias, a nossa linguagem, sem esquecer de quem preparou o caminho para chegarmos até aqui.

E você, o que aprendeu com a mí­dia tradicional na produção do seu podcast?


Ricardo Oliveira é jornalista e mestre em comunicação pela UFPB (2010). Produz conteúdo independente para web há 15 anos e já teve um ou outro podcast. Um deles já foi até programa de rádio FM. Atualmente é coordenador de mí­dias digitais das afiliadas Rede Globo na Paraí­ba, editor do blog Diversitá, do site *catavento e toda sua cinefilia está no canal O Meu Filme Preferido (omeufilmepreferido.com.br).

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Ricardo Oliveira é jornalista e mestre em comunicação pela UFPB (2010). Produz conteúdo independente para web há 15 anos e já teve um ou outro podcast. Um deles já foi até programa de rádio FM. Atualmente é coordenador de mí­dias digitais das afiliadas Rede Globo na Paraí­ba, editor do blog Diversitá e do site *catavento.