O Angra é um dos maiores expoentes do Heavy Metal brasileiro. Em 2004 alcançaram o ápice ao lançar o melhor disco de Heavy Metal já feito, o Temple of Shadows.
Olá, Headbanger. Falando de Olinda – PE, meu nome é Thiago Miro e este é o Heavy Metal Böx, um podcast que lhe levará para uma jornada ao longo de quase 50 anos de história do Heavy Metal através de seus artistas, músicas e histórias.
Neste episódio, a quinta publicação, irei abordar a história do cavaleiro cruzado retratada nas letras do Temple of Shadows, 5º álbum do Angra. Sem dúvidas, uma das maiores obras do Heavy Metal mundial.
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O Angra é um dos maiores expoentes do Heavy Metal brasileiro ao lado do Sepultura. No meu humilde ponto de vista, o Angra é melhor banda de Power metal já feita levando em conta quesitos como criatividade, técnica dos músicos, vocalistas etc. É um caso em um milhão onde gênios se reúnem para produzir algo maravilhoso.
Todos os discos do Angra são incríveis, mas hoje vamos focar no quinto álbum, um disco conceitual que para mim é o melhor disco de Heavy Metal já feito.
Em 2004, o Angra estava no auge de sua trajetória colhendo os frutos do seu último disco, Rebirth, em que tiveram a estreia do então novo vocalista Edu Falaschi. Todos estavam ansiosos pelo que o Angra tinha a mostrar. E foi aí que fomos pegos de calças arriadas, foi arrebatador.
Em 6 de setembro chegou í s lojas o Temple of Shadows. Cara é tanta coisa para se falar sobre esse disco que eu nem sei por onde começar. Deixa eu organizar os pensamentos aqui…
Como eu falei, esse é um álbum conceitual, então vamos explicar o que isso significa e qual seria esse conceito.
Um álbum conceitual se trata de uma obra inteiramente construída sob uma única temática, que visa contar uma história ou apresentar pontos de vista. Eu já fiz um Heavy Metal Böx sobre um disco assim, o Ride The Lightning, inteiramente tematizado sobre a morte. Um outro exemplo também muito conhecido é álbum Dark Side of the Moon, do Pink Floyd. Todos os discos do Dream Theater costumam ser conceituais. Enfim, essa é uma prática comum no Heavy Metal.
Mas ninguém jamais fez o que o Angra fez.
Temple of Shadows (Templo das Sombras, em português) conta a história do Caçador da Sombra, o Shadow Hunter, que é convocado pelo Papa Urbano II a se juntar ao seu exército para a primeira cruzada, ocorrida no século XI. Durante sua jornada, o Shadow Hunter reflete sobre a guerra, sobre a igreja e sobre sua fé.
Vamos í s músicas. Vamos destrinchar essa história…
A história do álbum começa no ano de 1095. O mundo estava sofrendo mudanças de grandes proporções, e Jerusalém se encontrava nas mãos dos muçulmanos. Jerusalém é conhecida até hoje como a “Terra Santa” por pelo menos três religiões diferentes – os judeus, os cristíos e os muçulmanos – e por isso ela era e ainda é muito cobiçada.
A cidade havia sido tomada pelos muçulmanos no ano de 638, e o domínio islmico era massacrante para os peregrinos cristíos que iam até a cidade. Os abusos cometidos pelos muçulmanos eram constantes, e o maior deles foi a destruição da Igreja do Santo Sepulcro em 1009, ordenada por Al-Hakim bi-Amr Allah. Obviamente, a resposta cristàseria í altura dos abusos sofridos.
Em 1095, o Papa Urbano II proclamou a Primeira Cruzada. Esta peregrinação armada para a Terra Santa tinha como objetivos não só a tomada de Jerusalém, mas também o apoio aos cristíos ortodoxos do leste europeu. Além disso, havia também interesses econômicos envolvidos, como a conquista de novas rotas comerciais com o Oriente.
A Primeira Cruzada pode ser dividida em duas invasões distintas: a Cruzada Popular, em que inicialmente o povo se mobilizou, e a Cruzada dos Nobres, que veio depois e foi a principal responsável pelo sucesso da empreitada. A Cruzada Popular contou com quase 30.000 plebeus, entre homens, velhos, mulheres e crianças, que por não terem treinamento militar acabaram sendo massacrados.
Existe um motivo para a primeira invasão ter sido popular. Foi no Concílio de Clermont que o Papa Urbano II decidiu conceder a indulgência aos que fossem ao Oriente defender a peregrinação. Trocando em miúdos, o Papa garantiu a salvação a todos aqueles que morressem em combate contra os infiéis. E ao expor publicamente sua decisão, Urbano II foi aclamado pela multidío, aos gritos de “Deus quer assim!” ou em latim…
DEUS LEVOLT! (Deus quer assim)
O disco abre com uma faixa instrumental que se encerra em perfeito encaixe com a faixa seguinte.
É em meio a um mundo em transformações que o cruzado conhecido como Caçador da Sombra encontra um rabino judeu. O rabino, um oráculo velho e cego, diz ao viajante que “ele foi escolhido por Deus para trazer luz aos olhos de quem não pode ver”. O oráculo entrega um livro em branco para o cruzado, lhe dizendo palavras que ressoariam em seus ouvidos por anos: “Queime os templos! Espalhe seu fogo! (Spread Your Fire).
SPREAD YOUR FIRE
Sobre a música… Cara, sua cabeça explode com os solos alucinantes do Kiko… quando o Edu começa a cantar você fica estático com o que está acontecendo. Cara, que coisa linda é essa, que letra é essa, e esse coral??? A velocidade, a força… cara, isso é a epítome do Power Metal.
Spread your fire se trata do ensinamento feito pelo Rabino ao Shadow Hunter. -œLiberte o anjo da luz, agradeça-o por nos trazer í vida, Lúcifer é apenas um nome! Nós somos os únicos que o culpam. Olhe ao seu redor, eu não sou louco. Satanás também é filho de Deus-.
Esse trecho da música trata-se de um momento de dúvida do nosso cruzado antes de partir em sua jornada, mas pode haver uma interpretação interessante em nossas vidas, nossas vidas como humanidade.
O ser humano, ao ser criado, vivia em um paraíso sob í s ordens de uma entidade onipotente e onisciente. Você poderia fazer o que quiser, exceto desobedecer uma ordem específica, trazendo-lhes assim a falsa ideia de livre arbítrio, existente até os dias atuais na mente de quem é cristío.
Lúcifer, ao enganar o casal primordial, teria condenado ambos a perdição. Mas eu penso diferente, Ele nos libertou. O trecho da música -œLiberte o anjo da luz e agradeça-o por nos trazer de volta a vida- representa isso para mim.
De volta a música, o Rabino encerra seu ensinamento dizendo ao nosso cruzado -œNão tenha medo de liderar com sua espada, você é o escolhido. Vá-.
ANGELS AND DEMONS
Angel and Demons não é tío explosiva quando a música anterior, até lembra bastante o Dream Theater, a música é bastante progressiva. Nessa música, o Caçador sai em sua jornada para difundir uma nova crença. Isso o torna um herege para a Igreja Católica.
Angels and Demons fala o seguinte:
Lute contra o império do medo
Mais cedo ou mais tarde eles vío tentar te convencer de que você está errado.
Encare a verdade: Deus não é amor.
Cara, que porrada essa música. Não sei se o impacto em mim foi grande pela aplicabilidade que tive com ela… em 2004 eu estava num processo de perda da minha fé onde cada vez mais duvidava da existência de um mundo espiritual.
Somando tudo o que eu lia a uma frase como essa… -œEncare a verdade: Deus não é amor-. De fato, Deus está longe de ser amor. Deus, se existisse, não seria diferente de tantos ditadores sanguinários que já tivemos na história da humanidade. Quando vejo alguém muito preconceituoso, rígido quanto ao que a bíblia fala e diz que é a vontade de Deus, eu acredito. Pois ele seria assim mesmo.
WAITING SILENCE
Waiting Silence conta um momento em que o Caçador já está na Terra Santa e se apaixona por uma muçulmana, com a qual se casa e tem dois filhos. Ele entra em conflito consigo quando a atender seu chamado ou viver sua vida ao lado de sua família.
A vida é muito curta para afundar na tristeza
Seu destino lhe espera
Viva como se não houvesse amanhã
Faça valer antes que você morra
Neste momento, a primeira frente cruzada da Igreja Católica ataca sua cidade.
WISHING WELL
Wishing Well ou Fonte dos Desejos é um momento da história que se passa na mente do Shadow Hunter. Ele fecha os olhos e começa a sonhar. Em seu sonho ele se lembra de algumas palavras ditas pelo Rabino antes de sua viagem:
“Não importa onde você joga suas moedas, quer seja em uma igreja ou na fonte dos desejos, o que importa é a tua fé! Se há um Deus, ele não tem casa: ele está em toda parte!”
Wishing Well é a música mais leve do disco, mas não -œmenos boa- por causa disso. Ela encerra te dizendo para fazer seus sonhos realidade novamente, sonhar é acreditar na sua fonte de desejos.
THE TEMPLE OF HATE
Meu querido batedor de cabeça, para mim esse é o auge do disco. Que música potente. Ela conta com o vocal absurdo do Kai Hansen… e se você não sabe quem é Kai Hansen, tire essa camisa preta porque tu é emo.
Não, brinks… se você gosta de emo por mim tudo bem. Ouça o que você gosta e não me encha a porra do saco. O Kai Hansen é considerado um dos criadores do gênero Power Metal, ele fundou o Helloween, um dos deuses sagrados do Power.
O Kai e o Edu fazem um dueto perfeito nessa música. Ouve um pouquinho…
Nesse momento da história Jerusalém está sob ataque. Sua família, esposa e filhos, são mortos, assim como toda a população. Os eventos dessa música coincidem com os eventos reais ocorridos em 1099.
O grande templo de Jerusalém fica conhecido como Templo do í“dio, um local dominado por fanáticos, intolerantes e ignorantes.
THE SHADOW HUNTER
O Caçador se encontra num bordel onde uma prostituta cigana vê nos olhos dele que ele é o escolhido.
Ela diz: “As palavras do velho homem não terío sentido algum até que você encontre a estrela da manhã. Sua missão é importante, mas não está no exército”. Ele se desespera procurando redenção para sua mente e espírito, ele fica como um lobo perambulando a procura de comida. Ela apenas o enche de dúvidas; dizendo que o amor o iria tirar de seu caminho.
O Caçador da Sombra (The Shadow Hunter) é ferido e tem de correr para escapar das tropas. Ele sonha com os pergaminhos perdidos nas ruínas do Templo de Salomão e dentro de cavernas perdidas no Mar Morto.
Jesus era um homem
Com um coração, com uma mente
Com um corpo, com uma alma
Tío divino quanto você mesmo
Deus não tem mente, não tem coração
Não tem corpo, não tem alma
E nem semelhança de você
É nesse momento em que ele descobre que sua família está morta
NO PAIN FOR THE DEAD
Essa música é uma continuação direta da música anterior. E de certo, essa é a música mais bonita do disco. Ela conta com a participação de Sabine Edelsbacher, vocalista da banda austríaca Edenbridge. A voz dela é angelical. Eu passei a ouvir todos os discos do Edenbridge só pela voz dela.
Enquanto ele está enterrando sua esposa e filhos, o viúvo sabe que vai ter de carregar toda aquela dor pelo resto de sua vida. Todos os momentos que tiveram juntos, desapareceram de uma vez e se converteram em nada além de tristes lembranças. É sempre melhor para aqueles que partem do que para aqueles que ficam.
Enquanto ele encara a face pálida do filho no caixío, ele entende quío sublime é estar livre dos víos sentimentos mortais. Assim, não haverá mais dor para os mortos. (No Pain For The Dead)
Face the angels of Death, soon your time will be over.
Encare os anjos da morte, em breve sua hora vai chegar.
Sabine ainda canta:
O paraíso é uma metáfora. Liberte sua mente e espírito.
2004 foi um ano tenso. Além do que já contei mais cedo no episódio, eu fui surpreendido com a notícia de morte de um amigo muito próximo em um acidente de trnsito bastante violento. Ainda sinto uma angústia quando lembro dos depoimentos de testemunhas que falaram com ele ainda no local do acidente, momentos antes de sua morte.
Essa música te traz uma reflexío muito intensa sobre a morte, te faz chorar, te faz sorrir. Cara, depois de sua morte, você apenas será levado pelo vento, pela água e pelo fogo. Não existe dor para aqueles que já morreram.
Essa tem que tocar inteira, é linda demais…
WINDS OF DESTINATION
Winds of Destination traz a participação do Hansi Kí¼rsch, vocalista do Blind Guardian. Peço perdão aos fís do Blind Guardian pelo comentário a seguir… essa foi a única vez em que o vocal desse cara me agradou. EU já tentei várias vezes ouvir e gostar do Blind Guardian, mas não sei o que acontece. Simplesmente não me agrada. Mas esse não é o assunto.
Em 1123, dois nobres da Europa e sete Cavaleiros Cruzados foram nomeados para guardar as ruínas do Templo de Salomão e para proteger os Cristíos que vinham visitar os locais sagrados. Eles eram chamados Templários. Pelos túneis dos restos do tempo eles encontram relíquias e manuscritos que continham a essência das tradições do Judaísmo e do Egito antigo, algumas das quais remetiam aos tempos de Moisés. Liberdade de pensamento intelectual e a restauração de uma religiío única e universal era seu objetivo secreto. Aos olhos de Deus, toda manifestação de vida é a mesma. Não há caminho especial preparado para nós. Um ser humano não vale mais que um redemoinho carregando folhas caídas. Estamos todos sendo guiados pelos mesmos Ventos do Destino. (Winds Of Destination)
SPROUTS OF TIME
Sprouts of Time acho a música mais fraca do disco. Como em todo disco do Angra, existe uma influência muito forte da cultura brasileira na parte instrumental. Nessa faixa é possível perceber bastante, principalmente no solo, uma base de bossa nova muito bem elaborada pelo Kiko Loureiro.
Sprouts of Time narra o momento, após algum tempo, em que o Caçador da Sombra começa uma nova religiío, reunindo pessoas ao seu redor para espalhar a verdade por ele revelada. Palavras de paz e amor semeadas no coração dos sábios, mas caíram sem dar frutos no solo rochoso do coração dos cegos. Segundo a música, -œO futuro é uma consequência do que fazemos agora. O presente expõe os Frutos do Tempo”.
MORNING STAR
Muito tempo se passou e muitas batalhas foram lutadas… um dia, quando o Caçador acorda, dois homens Muçulmanos o estão carregando num tipo de rede balançando num longo pedaço de madeira. Fraco e assustado ele não consegue reagir. Bem acima de sua cabeça, onde o sol está amanhecendo, a Estrela da Manhí (Morning Star) brilha no céu do novo dia. A estrela de seis pontas apresenta uma cruz e um tridente juntos como um só. Ele entende o primeiro sinal ao ouvir o uivo dos lobos. Naquele exato momento, a primeira profecia é cumprida. Ele descobrirá mais tarde que os dois homens são irmãos. Eles decidiram carregar o homem até sua casa quando o viram deitado e manchado de sangue no chão…
Enquanto seus ferimentos se curam, o Shadow Hunter reflete
Todo este tempo eu estive perdido no deserto
Tenho que fugir!
Agora devo decidir antes do amanhecer que ilumina um novo dia
Anunciando no céu a Estrela da Manhí!
Não tenho mais nada a perder, seguirei meu caminho esta noite.
LATE REDEMPTION
Novamente o Angra volta a refletir sobre a morte nesse disco. Dessa vez com a participação de ninguém menos que Milton Nascimento, o Deus sagrado da MPB brasileira. É engraçado que numa entrevista o Edu e o Rafael falaram que nem eles mesmos acreditaram quando Milton aceitou o convite para as gravações.
O resultado claro, uma das coisas mais lindas que eu já ouvi na vida. Milton canta em português em dueto com Edu, ambos cantando letras diferentes em idiomas diferentes, mas mesmo assim com um encaixe perfeito.
Durante os últimos momentos da vida do Shadow Hunter, ele ainda está questionando: “Eu estava certo? Eu estava errado?” Lembranças e pensamentos giram em sua mente. O prisioneiro está sendo visitado por anjos. Ou são demônios? Quem sabe? Como pode o mais puro coração julgar o mal? O Anjo da Morte estende os braços e oferece um confortável silêncio eterno. O Caçador da Sombra entrega seu corpo e sua alma, certo de sua Redenção Tardia.
Eu vou contando os dias
E já, já não tenho medo
Eu lhe peço
Eu imploro
Quando a minha hora chegar
Meu descanso minha paz
Apesar da temática de morte nesta faixa, a música na verdade fala sobre esperança, sobre fazer o que é bom, o que te fará uma pessoa melhor:
Cante uma canção desconhecida
Plante mais lembranças na sua vida
A história se encerra com a reflexío do Caçador:
É hora de achar a Redenção
Só o amor desafia a Ressurreição
Marque minhas palavras:
Deus abandonou esse mundo!
Meu destino se acaba
E essa esperança sobre sua compreensão
Esse é o amor que você tem sonhado por tanto tempo?
Acabou-se para mim
Nesse momento o Shadow Hunter morre.
GATE XIII
A última faixa do disco é um instrumental orquestral que reprisa vários riffs de todo o disco, algumas progressões, que simbolizam o ciclo de vidas consumindo vidas para continuar vivendo, como uma cobra comendo a própria cauda.
Meu querido batedor de cabeça, que disco!!!
Não posso encerrar esse e programa sem levantar para bater palmas de pé para o Rafael Bittencourt, autor do conceito e de todas as letras desse disco. Ele não é só um guitarrista incrível, como um compositor excepcional.
Muitas palmas
É claro, há muito mais o que ser dito sobre esse disco, mas não há tempo hábil aqui no podcast. Essa é hora de você me mostrarem o que não percebi nessas entrelinhas.
E assim eu me despeço… você gostou? Pow, então assina aí para receber os novos episódios assim que eles forem publicados. Se quiser sugerir algo ou criticar deixe algo nos comentários ou envie e-mail para contato@heavymetalbox.com.br.
Obrigado a todos pelos comentários e incentivos nos episódios anteriores. Muito obrigado por ouvir esse episódio, até o próximo. Tchau.
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