• Texto: Solilóquios X
  • Autor: Tomigawa
  • Interpretação: TomigawaNotas Póstumas
  • Música: Trilha sonora do filma Bastardos Inglórios
  • Duração: 5min02s

Tomigawa

Solilóquios X

Eu vejo o tempo passar aqui tío devagarmente – tal e qual nada tivesse em si não fosse o seu leve peso de madrugadas insólitas e insopitáveis – plumas branquicentas e ardores navegáveis – sons arbóreos e afins – numa perpétua corrida do nunca e do sempre. Para falar a verdade, estou agora de madrugada aqui a escrever num quarto escuro e endiabrado – cheio das extravagncias de minha vida composta de tío pouco e de tío muito ao mesmo tempo. Não te estranhes tu, senhor, com as minhas quinquilharias irracionais de literatura – que as coisas da vida são demasiado diferentes das coisas da matemática e da linguagem que usas tu – e tendem sim a ser um tanto contraditórias, estando mais próximas portanto das figuras de linguagem – e muitas delas (senão todas) são boas e ruins ao mesmo tempo, e apresentam mais de um significado plausí­vel para mais de um universo de pessoas diferentes umas das outras – e ao mesmo tempo em que a várias pessoas agradarío, a várias outras desagradarío, num ritmo espaçoso de não haver razío nenhuma de ser – estando tudo aparentemente falto de sentido e coesão. Digo eu aparentemente porque eu acredito que há uma linha metafí­sica que se nos conduz a uma incógnita nada revelável aos nossos sentidos. Algumas pessoas chamam esta linha de filosofia ou poesia, outras de religiío ou misticismo, mas cada qual possui um entremear de sentido a que eu trago como a um fumo de magias. Eu não sou devoto de religiío nenhuma, nem filosofia, nem coisa alguma dessas, mas eu sou extremamente curioso para com tudo o que lhes diz respeito. Há várias pessoas que acreditam não haver Deus nenhum nesta Terra – mas eu duvido tanto que Ele não haja, quanto muito suspeito e indago sobre a concepção que as pessoas muitas carregam a respeito dele no mundo – porque se há pensadora com quem eu mais concorde sobre isto talvez seja a poeta Adélia Prado a nos ensinar, í maneira de Caeiro, que Deus não existe assim pensável. No entanto, Ele está aqui – conosco – a cada momento nos olhando pelo viés do invisí­vel, do irracional, do poético, do desvario. Sim!, meus senhores, Ele está te olhando em cada momento teu de vitória e de derrota, provendo-lhe de um sem-fim de coisas absolutamente inexplicáveis ao olhar da nossa tío querida razío humana, e eu particularmente não o tento pensar muito, apesar de senti-lo quando os meus neurônios se irritam ou se entorpecem sobremaneira neste atenuado da existência. Pois se as pessoas se referem ao Diabo como sendo o paroxismo da indiferença fria e seca, eu tenho Deus como sendo talvez tudo aquilo que me faz sentir vivo aqui neste mundo – seja isto a inveja, a luxúria, o ódio, o gosto pela comida e pelos livros – como também a paz, a serenidade, a alegria, o entorpecimento na desrrazío de tudo, o tresvariar tremendo dos poetas. Mas tudo isto não passa de uma hipótese deveras contingente neste amontoado de filosofia que nos cerca. Tu nada precisas acreditar de palavras que saiam da minha boca, ou da boca de quaisquer poetas e filósofos. Tu precisas é pensar por ti mesmo – a ver o que faz e o que não faz sentido para ti – e isto já o trazes tu de nascença. Há pessoas, por exemplo, que prelecionam haver em tudo um sentido í­ntimo e peculiar – tal um filme protagonizado por nós mesmos fosse a vida – ao que eu concordo e acho muito interessante, e fico como que extasiado ao partir deste prisma para o meu mundo material. Eu vejo então os vagabundos da rua, os filhos da puta dos filmes, os poetas romnticos dos livros, os senhores de engenho da história do Brasil, as moças bonitas da esquina, e tudo o mais, e tento pois estabelecer uma coesão intrí­nseca entre tais variáveis e o contexto universal – a tentar muito talvez enxergar o que tudo tem a ver com a grande história mundial, com a geopolí­tica e com a economia, com a literatura e com a psicologia. É uma loucura diuturna quando divagamos por sobre tudo isto e captamos coisas recorrentes tais como o ressentimento, a luta perpétua por mais poder, o ódio e as humilhações geradas pelas guerras, os interesses que cercam e sempre cercaram o cotidiano das pessoas… E agora tu me perguntas: o que tudo isso tem a ver com o Deus em que tu acreditas? E eu digo: tudo – porque para mim Ele não presta mais ou menos atenção a mim do que a tudo o que existe de amplo e abrangente neste Universo… De qualquer maneira, no entretanto da vida e da morte, eu procuro no meu dia a dia ser uma boa pessoa, fazer caridades, olhar ao pobre com benevolência e compaixío, e me evoluir moralmente de alguma forma – ainda que isto carregue um poço de complexas contradições. Além disso, busco eu cultivar as minhas boas partes humanas do espí­rito em tons versicolores de tudo o que foram, por volúpias da poesia e da magia transcendentes, os meus grandes mestres Rubem Alves, Alberto Caeiro, Adélia Prado, Mario Quintana e Manoel de Barros. Sim, meu querido… foram eles que me ensinaram a rezar – foram eles que me ensinaram tudo o que eu pude ter aprendido sobre Deus – seja Ele profano ou irreverente, seja Ele cristío ou redentor. E eu sigo assim a minha vida todos os dias, a orar e a meditar melifluamente por sobre voos de pássaros e sons cristalinos da natureza – aproveitando uma infncia duma vida inteira, num cotidiano simples e ameno de tudo – quase búdico…

 

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