• Texto: Devoradores de Dejetos do Diabo
  • Autor: Erika Figueira
  • Interpretação: Erika Figueira (@erikapes) – Sexo e Tintas
  • Música: Tí­tulo e autor desconhecido

Devoradores de Dejetos do Diabo

Passei por um dia terrí­vel, daqueles pertencentes apenas aos que carregam em si uma máscara, ainda portando um selo com um pequeno rótulo, escrito em letras garrafais…”FRACASSO”…

Mas por algum milagre, fui poupada ao menos do que eu CONSIDERAVA mais um dos castigos dessa condição: a insônia…só assim entendi, que ficar acordada pra mim, e pra tantos outros, é apenas uma tentativa de não encarar o inferno impresso nos seus sonhos…

Nada mais clichê do que os pesadelos…a multiplicidade de construção de seus cenários, é infinita…mas absolutamente todos, não passam de sua visão particular de um labirinto…e o meu nesse pesadelo, continha absolutamente a imagem de todo chão que eu pisei, todas as casas que entrei, mares que mergulhei…cinemas que contemplei…tudo, absolutamente tudo estava ali e eu pude sentir em milésimos de segundo…

As pessoas que encostam o dedo no universo dos sí­mbolos, são tragadas e não há retorno, o melhor a fazer é se manter aprisionado apenas ao sentido das gramáticas, dos idiomas, palavras, letras…elas mantém as pessoas longe das mensagens, que por fazerem parte do concreto, do racional e figurativo…convém que fiquem incompreensí­veis í nossas leituras. Ai daquele que olhar pra esse mundo de sentidos intangí­veis, e tentar mostrar aos cegos.

Consulte a história dos condenados que aí­ estarío os homens, que na verdade são bem simples: apenas bichos que não desaprenderam a sua linguagem…bichos torturados, pendurados em cruzes, postos de cabeça pra baixo, queimados, enclausurados em masmorras, encerrados em hospí­cios, atormentados em prisões…ou apenas artistas, loucos, profetas, gênios…Todos em algum momento de seus sonhos, se depararam com o Diabo, ofertando o que parece ser o mais injusto dos acordos.

E foi ele que apareceu no meu labirinto durante esse pesadelo. Acho até que mesmo se eu estivesse acordada a sua imagem não me causaria terror… qual o pavor que pode causar essa face, ou as formas horrendas dessa criatura…perante a impetuosidade dos teus próprios atos? Talvez, aqueles tais cegos que primam pela matéria, precisem ver o seu rosto…dentro de suas totais incapacidades de sentir o mal, que está, sempre esteve entre nós…nos momentos mais bem ilustrados pelas cores e formas da concretude. Aqueles que enxergam e sentem dores, sentimentos e emoções alheias, veem na figura do demônio um mal menor, uma imagem infinitamente menos assustadora do que seus atos.

Bom…então a sua presença não me intimidou…O infeliz me abraçou sob suas garras sobrevoando sua paisagem, e percorri todos os cômodos do meu inferno, todas as provas…todas as dores fí­sicas, foram juntadas em uma só dor…e como eu senti, e ali firme continuei.

O maldito me devolveu pro chão, tentou me enganar transformando aquele inferno numa reprodução perfeita do Éden, ele esqueceu que eu vejo a sua alma…até os demônios falham na sua suposição de como são os mortais.

O demônio me elogiou. Sim, o demônio me elogiou, me estendeu uma almofada vermelha com uma coroa de ouro sobre ela, depois disso o nojento sentou atrás de uma moita, colocou um prato no chão e nele CAGOU, essa foi a sua segunda oferta. Simples assim, uma coroa, ou um prato de sua bosta.

Escolhe seu prêmio.

Você é forte e agora eu quero que você escolha o seu prêmio. Você viu o terror do seu labirinto? Você merece uma história melhor, você é boa e não precisava passar pelas coisas que passou, não há por que você se curvar perante os seus castigos, você sequer acredita em Deus ou em mim mesmo. Pra que se submeter?

Agora tem o seguinte…Falou o diabo. Se você quiser passar pelo mesmo caminho, vai ter que comer o meu prato de bosta, olha que o meu dejeto não é como o de um ser qualquer, eu como almas, vomito uma parte, cago só o que sobrou de pior.

Acordo sem sentido…reafirmar minhas dores e comer um prato de bosta? Isso é o que qualquer um diria.

Pedi um copo de vinho tinto, que logicamente o diabo me negou. Peguei o prato de bosta, e comi…olhei pro meu labirinto ainda confuso e com ares de inferno, depois que eu não tinha mais um resquí­cio de “alimento” na minha boca, escarrei na face do diabo e acordei.

Sai pelas ruas, enquanto cada um dos homens sentiam em mim mesma a presença e o cheiro desse mal, eu me sentia imensa, gigante…olhava pros outros como seres bem pequenos, minúsculos, fracos…

A todos os humanos o diabo propõe o mesmo acordo: Poucos comeram a bosta… milhões se gabam por aí­, portando orgulhosos sob suas cabeças vazias, a coroa que não escolheu, mas que foi pelo seu próprio demônio, imposta.

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